Quero ser sempre coerente. É pedir muito?
Quando vou à análise, pareço achar que sou o personagem de uma ficção. Embora a psicanalista me advirta da importância de permitir que as associações que faço fluam livremente, sem que eu busque controlá-las, quando me sento diante dela pareço achar que o mais importante é mostrar a ela que minha história está amarradinha, sem buracos. Que sou livre de conflitos. Que tudo que faço corresponde ao que os outros esperam de mim. Saio da sessão contrariada quando ela aponta para meus pequenos furos de roteiro.
Ao ler um livro ou ao assistir a um filme, exijo que a história contada faça sentido. Quero que as personagens sejam construídas pouco a pouco ao longo da narrativa, com seus traços de caráter e personalidade, seus gostos, suas motivações, de maneira que as atitudes que tomarão ao longo da trama sejam percebidas como aceitáveis para aquela pessoa que me foi apresentada. Quero ser capaz de acreditar que ela realmente faria aquilo, que é de se esperar aquela atitude, fala, comportamento.
Sofro com as evidências de que algo em meu “eu” atual está desalinhado com o que construí sobre mim até aqui. Prefiro pensar que eu fui, sou e serei sempre a mesma. “Por que eu disse isso?”, “por que eu faria tal coisa?”, “como foi que eu vim parar aqui?”. Passo a revirar meu passado, revisito minha infância, revivo minha adolescência, os tempos antigos e os recentes, sempre em busca de algo que justifique o que estou prestes a fazer, ou o que acabei de dizer, ou o que tenho pensado diariamente. Se encontro, logo digo “já estava tudo aí!”. Mas quando não consigo achar, me pego pensando em como esconder esse desencontro.
De onde vem tanta exigência? Por que não posso abraçar minhas incoerências? Qual é o problema em querer algo que nunca quis antes? O que justifica não me permitir ser alguém que pode me surpreender?
Preciso sempre fazer sentido?
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